quinta-feira, 5 de julho de 2012

Uma Carta Aos Cinco Prisioneiros de Lion - João Calvino (1533)





Este é um daqueles textos de mexer com o coração, uma carta simples, de um homem simples, mas com um coração corroído pela angustia em ver seus irmãos sendo mortos como ovelhas em currais, Calvino não foi apenas um brilhante teólogo, mas foi um amigo, um irmão, um pastor que em meio a tanta dor e sofrimento mostrou sua confiança na Soberania de Deus, e buscou levar seus queridos amigos, que já estavam certos da fogueira como pena de morte, a confiar em Deus e não se afastar jamais dele. Que possamos aprender com Calvino não somente a ortodoxia, mas também ortopraxia que ele demonstrou para com a igreja, amém.


Segue o contexto e a carta.


Os jovens haviam sido declarados culpados pelo crime de heresia e entregues ao braço secular pelo Juiz Ordinário de Lion, cinco jovens estudantes apelaram para ao Parlamento de Paris, enquanto as autoridades de Berna lutavam em vão para salva-los. Transferidos de masmorra em masmorra, durante um julgamento que se arrastou por mais de um ano, sendo, finalmente, trazidos de Lion para Paris para aguardarem a sentença de seus juízes, a constância desse jovens jamais vacilou um único dia. Finalmente, em 1º de maço de 1533, foram comunicados do decreto do Parlamento de Paris, que os entregou a fogueira. Essa informação logo se propagou nos arredores e causou um pranto em Lausane e Genebra.


"Aos Cinco Prisioneiros de Lion


Exortações à constância


7 de março de 1553.



Meus irmãos: Passamos alguns dias em ansiedade profunda e tristeza inigualável ao ouvirmos sobre a solução tomada pelos inimigos da verdade. Quando o cavalheiro que vocês conhecem passou por aqui, enquanto ele jantava com muita pressa para evitar toda a demora, esbocei essa espécie de carta, conforme me pareceu oportuno escrever. Deus tem dado, tato a vocês como a todo o seu povo, o adiamento da execução. Aguardamos o evento conforme aprouver a Deus, suplicando-lhe sempre que lhes sustente e não permita que apostatem; em resumo, para que tenha vocês sob a sua guarda. Estou convencido plenamente de que nada abala a firmeza que ele lhes tem infundido. Sem dúvida, já por um longo período, vocês têm meditado sobre o último conflito que terão de enfrentar, se assim aprouver a Deus levá-los a isso, e, apesar isso, tem lutado até aqui de tal maneira que esse longo exercício lhes preparou para completarem totalmente o que resta. Não pode ser outro modo, senão que sintam algumas das dores agudas da fraqueza. Tenham, todavia, a certeza de que Aquele sob cujo serviço estão dominará e tal modo o coração de vocês, mediante o seu Espírito Santo, que sua graça submeterá toda a tentação. Se ele prometeu fortalecer com paciência aos que são castigados pelos próprios pecados, muito menos faltará àqueles que mantém a sua disputa – àqueles a quem ele emprega em missão tão digna como a de serem testemunhas da sua verdade. Vocês, portanto, devem conservar em mente esta frase: aquele que habita em vocês é mais forte do que o mundo. Nós os que estamos aqui, cumpriremos nosso dever orando para que, na constância de vocês, ele seja glorificado cada vez mais, e para que, pela consolação do seu Espírito, ele amenize e torne agradável tudo o que for amargo à carne e absorva assim os espíritos de vocês nele mesmo – para que, na contemplação da coroa celestial, vocês estejam prontos, sem remorsos, a abandonar tudo o que pertence a este mundo.


Recebi certo papel com alguns argumentos muito astutos de Ortiz, aquele animal miserável, para provar que é permitido fazer ídolos. Não sei se foram vocês que o enviaram para mim, nem se querem que eu o conteste. Não achei que valesse a pena fazê-lo, pois tinha alguma dúvida acerca dele e porque acredito realmente que vocês não tenham grande necessidade disso, mas, se o desejarem terão a resposta em primeira mão. Há algo que preciso lhes solicitar; vocês viram, tempos atrás, as cartas de um desprezível zombador de Deus nesse lugar, o qual nada faz senão perturbar a igreja e não tem deixado de se ocupar desse oficio já por cinco anos. Desejo muito que, em primeiro lugar, vocês escrevam uma palavra de advertência para fazer conhecida a malicia dele, já que para ele não há mesmo fim. E lhes peço isso porquanto amam o repouso desta igreja, que é mais perturbada do que podem imaginar por inimigos internos.

E agora, meus irmãos, depois de suplicar ao nosso bom Senhor que os tome em seus cuidados para lhes assistir em tudo e por meio de tudo, para lhes fazer provar, pela experiência, que Pai tão benigno é ele e de como cuida da salvação dos que lhe pertencem, peço para que eu seja lembrado nas suas orações.


João Calvino”

Mais ou menos 2 meses mais tarde Calvino volta a escrever aos prisioneiros que haveriam de ser martirizados:

"...Uma vez que parece que Deus deseja usar vosso sangue para confirmar Sua verdade, não há nada melhor do que preparar-se a si mesmo para este fim, orando para que Ele vos faça submissos à Sua boa vontade, de tal modo que na­da vos impeça de ir para onde Ele vos chama..."

Fonte: Cartas de João Calvino, São Paulo - SP,editora Cultura Cristã, 2009, pg. 103 e 107.

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